sexta-feira, 31 de maio de 2013

O "novo" BC: Copom e câmbio

Geralmente não gosto de comentar política monetária no calor dos acontecimentos, mas como tem muita gente (3 pessoas) pedindo minha opinião, aí vai:

Acho que nesta semana o BC destruiu duas fortes crenças que o mercado brasileiro vinha alimentando nos últimos meses:

1. O BC de Tombini é "frouxo": vai sempre tentar segurar a taxa de juros no nível mais baixo possível, e, antes de aumentá-la, recorrerá a um repertório de medidas "macroprudenciais". Também é relativamente tolerante com a inflação, com uma banda informal entre 5,5% e 6,5% anuais. Com isso em mente, comprar NTN-Bs (títulos indexados ao IPCA) é das melhores operações: no cenário-base, a inflação é alta com a Selic parada, o que garante um bom carregamento (juros reais + inflação x Selic). Caso a inflação acelere, o BC relutaria em subir os juros básicos, e o carregamento continuaria bom. E, na improbabilidade da inflação cair, o BC voltaria a cortar os juros.

2. A taxa de câmbio no Brasil é controlada: se a cotação do dólar subir muito, o BC intervem num teto informal próximo a R$2,05/US$. O controle do câmbio é ferramenta fundamental no controle da inflação, mais ainda em um cenário de juros artificialmente baixos.

A crença #1 foi destruída com o resultado da reunião do Copom da última quarta-feira, quando, por unanimidade, o comitê acelerou a alta dos juros mesmo com o IBGE mostrando crescimento do PIB abaixo do esperado algumas horas antes. Tombini passou de "Pombini" para "águia", e agora o mercado passa a levar mais a sério o combate da inflação via política monetária. Os compradores de NTN-B estão sendo destruídos, já que o pior e "menos provável" cenário está se concretizando: inflação caindo com Selic em alta. Fica para um próximo post comentar sobre a barbeiragem que a regulação de fundos de previdência cometeu, forçando os gestores a alongar carteiras a preços com baixíssima margem de segurança (combinação de juros de mercado baixos + inflação esperada alta), como se mais risco implicasse necessariamente em mais retorno.

A crença #2 acabou com o mercado vendo o câmbio reais / dólares, ao longo do mês, chegar a 2,0, 2,05, pqp, cadê o BC?, 2,10 e 2,14 enquanto escrevo. Neste caso, curiosamente, 9 entre 10 economistas achavam que o real deveria se depreciar, já que os fundamentos (fluxo externo) pioraram muito e o dólar entrou em trajetória de alta contra quase todas as moedas de emergentes e/ou produtores de commodities. Ocorre que o BC, sentado em cima de US$370 bilhões em reservas, aparentemente controlava o mercado no curto prazo, o que impedia os fundamentos de prevalecerem. A percepção que segue, portanto, é que o dólar só subiu porque o BC assim o quis. O discurso oficial deve ser de um alinhamento com o movimento das demais moedas (ver a entrevista de Tombini na Folha de hoje, por exemplo), o que faz bastante sentido e seria natural se o câmbio fosse de fato flutuante; o que parece estranho é o timing, mais ainda considerando que a depreciação forçada do final do ano passado foi vista como um erro, ao impedir que a inflação se beneficiasse de uma queda no preço em dólares de várias commodities.

A combinação de câmbio mais depreciado e juros mais altos soa como um ajuste ortodoxo necessário, mas que, num cálculo político (no qual eu acreditava), seria empurrado para depois das eleições presidenciais do ano que vem, já que arriscaria comprometer algumas bandeiras eleitorais importantes (consumo, juros na mínima histórica e inflação, considerando que a depreciação do câmbio tem efeito mais rápido do que a alta dos juros). Ainda não consigo tirar uma conclusão, mas talvez o contínuo fraco desempenho da economia (ao menos se medido pelo crescimento do PIB) pode ter levado a presidente a autorizar uma mudança grande na orientação da política econômica. Isso implicaria em um BC com mais poder e Fazenda com menos relevância (o que parece estranho depois do "alquimista" Arno Augustin aparentemente ter ganhado uma longa briga contra o mais pragmático Nelson Barbosa). A ver o que ocorre nos próximos meses.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Os 1%

Gráficos do novo trabalho de Facundo Alvaredo, Anthony B. Atkinson, Thomas Piketty e Emmanuel Saez sobre como evolui a renda do primeiro percentil da população em vários países da OECD. Aqui fica sugerida a importância do papel da política tributária para a redução de desigualdade (clique nas figuras para aumentar)..




terça-feira, 28 de maio de 2013

Gráficos do Dia - mercado imobiliário nos EUA

Hoje foi divulgada a mais recente leitura do índice Case-Shiller. A recuperação do mercado imobiliário dos EUA parece cada vez mais sólida:


roubado do Quartz


roubado do Zero Hedge

roubado do Phil Izzo

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O mochilão de Albert O. Hirschman, 1964

El Salvador—electric power plant
Ecuador—roads in Guayas Province 
Peru—San Lorenzo irrigation project 
Uruguay—pasture improvements for livestock 
Ethiopia—telecommunications and roads 
Uganda—electric power transmission and distribution 
Sudan—irrigation project 
Nigeria—railway modernization and Bornu extension line 
India—Damodar Valley Corporation and selected industries in Mysore 
West Pakistan—Karnaphuli Paper Mills 
East Pakistan—Karnaphuli Paper Mills 
Thailand—Chao Phya irrigation project 
Italy—irrigation in South

Roteiro de um ano sabático tirado a partir de 1964 por Albert O. Hirschman para examinar projetos de desenvolvimento do Banco Mundial - ou uma excelente desculpa para conhecer o mundo com financiamento da Brookings Institution (notem que termina na inóspita Itália, já que ninguém é de ferro). Está na ótima biografia dele por Jeremy Adelman, na qual estou pelo meio.



quinta-feira, 23 de maio de 2013

Orígenes Lessa - O Instituto Nacional do Amendoim

De vez em quando me deparo com alguns textos impressos muito bons, que merecem ser compartilhados e dos quais não há versão na internet. Quando a preguiça e o tempo livre permitem, dou-me ao trabalho de digitar e publicar aqui (como tinha feito com esse, sobre o Plano Cruzado). O texto abaixo é de Orígenes Lessa, uma sátira sensacional do dirigismo estatal na economia e do caudilhismo (foi publicado na Folha da Manhã em julho de 1948, durante o governo Dutra). Deve servir de bom exemplo para aulas de rent-seeking e temas relacionados.


O Instituto Nacional do Amendoim

Na realidade o presidente da quase desconhecida república de El Palomar era um cavalheiro baixo, fortezinho de corpo, de voz explicada e monótona. Mas para evitar que vejam nesta narrativa qualquer alusão a figuras familiares entre nós, concordo em descrevê-lo alto, magro, engolidor de palavras, nervoso e atabalhoado no falar. Por extraordinária coincidência, quando visitei El Palomar o ditador Marechalíssimo Moreno governava o país há 15 anos. Mas ainda para evitar conclusões apressadas, convencionarei em encurtar o prazo para 14 anos e meio, de modo a varrer de vez toda e qualquer dúvida do leitor eventual. Ele subira ao poder por uma revolução vitoriosa contra o que chamava caudilhismo, tirania policial, política de braço forte, cerceamento das liberdades humanas. Como pretendo dar a este relato de viajante o caráter de uma quase narrativa imaginária, aceito a idéia de apresentá-lo não como imposto por uma revolução, mas como elevado ao poder por eleições livres e honestas. Não mencionarei os golpes sucessivos do marechal para prolongar-se no governo divertindo-se e tripudiando sobre a vontade popular.
Convencionemos que a sua perpetuação no poder tenha resultado de repetidas eleições, cada quatro anos, todas traduzindo a livre manifestação da opinião nacional. Mas cessem aqui as convenções, porque do contrário, de concessão em concessão, de explicação em explicação, nunca chegaria a contar o extraordinário caso do amendoim, que tanto apaixonou a agitada república tão injustamente desconhecida pelas grandes nações contemporâneas.
Como não pretendo mais reagir contra as coincidências, recordarei que, ao chegar a Río de Oro, capital do país, fiquei impressionado com a padronização dos jornais nos temas, na adjetivação, nas atitudes. Ler um era ler todos. Explicou-me logo um major do Exército, romancista nas horas vagas e então chefe da Direción General de Informaciones, que, para proteger o país contra os extremismos da direita e da esquerda, todos alienígenas, o governo criara um departamento paternal de controle e de auxílio à imprensa, fornecendo gratuitamente larga matéria editorial, levando mesmo o seu desejo de amparar as manifestações culturais ao ponto de financiar a imprensa com gordas subvenções.
- Tem sido tão bem compreendido o nosso esforço - garantiu-me o major -, que os diretores dos jornais, em agradecimento, constrangem-me, e aos meus auxiliares mais graduados, a aceitar parte dessa subvenção, que tanto tem contribuído para eliminar a produção intelectual. Se é verdade que um ou outro elemento subversivo mostra em surdina um vago descontentamento, temos a satisfação de saber que todos os elementos de responsabilidade, os diretores, os proprietários dos jornais sabem dar valor à boa vontade do governo e prestigiam todas as suas iniciativas.
- Há censura no país?
- Censura? Por Deus! Nunca! A própria imprensa, cônscia de suas responsabilidades perante a nação, faz a sua censura, evitando tudo o que possa prejudicar a boa marcha do país. Há neste ponto jornais tão escrupulosos que, para não incorrer no perigo de deslizes impatrióticos, publicam exclusivamente o amplo material por nós fornecido, que aliás dá trabalho à flor da nossa intelectualidade...
- ...que deve ser muito bem paga...
- Muito bem, propriamente, não. Nesse ponto nós estamos com aquele fidalgo espanhol. Lembra-se do que ele dizia com referência a Cervantes? O artista precisa sofrer, lutar, conhecer a miséria e a fome, para produzir melhor. A fartura amolenta, rouba a inspiração. Eu já notei por experiência própria que os escritores que melhor compreendem a nossa filosofia política e os que sabem melhor exprimir a sua admiração pelo Marechal são justamente os mais necessitados... quer ver?
E o major-romancista conduziu-me à sala de redação de seu departamento:
-Está vendo? Viu aquele magrinho? Estava na miséria. Tem a mulher tuberculosa. Perdeu dois filhos pouco antes de lhe darmos a mão. É o nosso melhor redator. Eu nem preciso ver o que ele escreve. Tenho confiança. E trabalha como um leão. Já os outros, melhor alimentados, são preguiçosos, displicentes, não se dedicam ao trabalho, deixam passar às vezes, no que escrevem, coisas que até poderiam comprometer a estabilidade do regime, se eu não estivesse aqui para zelar pelo futuro da pátria que, gracias a Dios, nos pertence.
E, para ilustrar o seu pensamento, levou-me ao seu gabinete, abriu uma gaveta:
- Veja o meu amigo o que é a displicência, a falta de atenção pelo serviço, da parte de certos intelectuais que, por menos necessitados, não se concentram na res publica, no interesse nacional. Há cerca de cinco anos o governo, para dar impulso a uma indústria que entre nós era das mais humildes, quase que exercida apenas por mendigos e desocupados, a do amendoim, criou o Instituto Nacional do Amendoim. Foi uma das iniciativas mais patrióticas e mais fecundas do Marechal (e eu notei então que, cada vez que mencionava o nome ou o título do magro, alto e atabalhoado ditador, o major empalidecia, baixava a cabeça com gestos hesitantes de quem não sabia se fazia continência ou tirava o chapéu). Pois bem - continuou o major -, confiei a um dos nossos redatores mais hábeis, romancista brilhante, uma grande reportagem sobre a fundação do Instituto. Era uma distinção que lhe concedia. Geralmente ele era encarregado apenas da preparação de telegramas, dando a lista dos viajantes recém-chegados, dos aniversários e casamentos na capital e das últimas nomeações do governo. Eu queria dar-lhe uma “chance”, um trabalho mais condigno com o seu estilo. Pensa que ele compreendeu o meu gesto, que deu valor à incumbência? Nem sequer tomou a sério... Quis fazer pilhéria... Veja só o título: “O governo, querendo dar emprego a afilhados e protegidos, lança mais um escárnio à face da nação: cria o INA”.
E indignado:
- Ora! Isso não se faz. Nós não estamos aqui para brincadeiras, não há tempo a perder... Ele não tem senso de responsabilidade, não pensa em fazer carreira, justamente porque tem alguns recursos... Por isso não leva nada a sério.
- E que foi feito com a reportagem?
- Evidentemente não podia ser publicada. Pilhéria de mau gosto... Guardei-a comigo por curiosidade, mostrei-a apenas ao meu amigo chefe de polícia e ao meu velho camarada que é o ministro da Guerra, para eles verem como é difícil lidar com quem não tem espírito público... Uma coisa incrível, doutor. Se não fosse aquele magrinho e uns outros magrinhos que estão na outra sala, eu não sei como poderia fornecer diariamente material para todos os jornais do país...
- Mas quer dizer que o senhor só conta com os magrinhos?
- Não. Isso é maneira de dizer... Tenho gordos também. E esses são muito eficientes, apenas não escrevem tão bem. São dedicados... O que é difícil é contar com os que não são nem muito gordos nem muito magros. Curioso, não acha?
Achei. Mas já estava muito mais interessado no INA, cujas glórias lera em todos os jornais da manhã, e pedi detalhes ao major.
- Ouça, meu amigo, o melhor seria fazer uma visita ao Instituto. O diretor é um velho amigo meu, brilhante oficial do Exército e primo-irmão do Marechal (e de novo ele ficou sem saber se devia fazer continência ou tirar da cabeça um chapéu que não trazia). O senhor vai gostar de conhecê-lo. É um grande organizador, um belo espírito, um dos parentes mais parecidos fisicamente com o Marechal. (E empalideceu novamente de emoção.) Vamos visitá-lo. O edifício do Instituto é uma verdadeira maravilha arquitetônica. Venha comigo...
Fui. De fato. Eram de assombrar os edifícios públicos de Río de Oro.
Verdadeiros palácios. Ao lado de casebres, cobrindo com sua sombra as ruelas humildes, de gente descalça, erguiam-se os mastodontes arquiteturais de mármore rebrilhando ao sol, de amplos salões, de móveis e tapetes asiáticos.
- Quase tudo indústria nacional - explicava com orgulho o major. - Quando não é indústria, é importação nacional...
- Perdão?
- Sim, importado por firmas genuinamente nacionais. Aqui não toleramos a penetração do imperialismo norte-americano, por exemplo. Não consentimos. Para evitar isso, num gesto do sadio nacionalismo, como frisei num discurso recente, um dos irmãos do Marechal fundou uma empresa de representações. Assim impedimos que os estrangeiros venham se locupletar, como intermediários, nos fornecimentos ao governo...
- E o Instituto...
- É um exemplo... Foi construído pelo senador Contreras, excelente pessoa, muito culto, primo do Marechal. Nada de estrangeiros. O senador se encarregou de tudo. Desde as maçanetas das portas ao mármore de Carrara, tudo foi a firma dele que forneceu. E o edifício ali está...
Estava. Era imponente. Dez andares, todo um quarteirão.
- Mas todo um prédio desses só para o amendoim?
- O amigo compreenderá logo. Verá. É um prodígio de organização, a mais completa e modelar que temos.
E eu logo pude ver. Minutos depois estávamos diante do coronel-diretor, que nos fazia percorrer todas as dependências da casa e expunha, com grande entusiasmo, os milagres já feitos. Apesar de recente, e apesar de manobrar com a mais humilde, e menos rendosa, a mais rudimentar e a mais abandonada das indústrias agrícolas do país, o Instituto conseguira, em menos de cinco anos, coisas extraordinárias.
- Nós tivemos Institutos congêneres que fracassaram relativamente - disse-me ele. O da Yerba Mate, por exemplo. Fracassou porque ainda não tínhamos experiência, tanto assim que vai ser totalmente reformado, sendo dirigido pela própria enteada do Marechal. A exportação caiu. Os estrangeiros sabotavam as nossas medidas de estímulo à lavoura ervateira. E isso prejudicou muito o país, porque a yerba era a nossa maior fonte de riqueza. Mas com o Instituto do Amendoim evitamos os erros anteriores, aproveitando a experiência passada. E devo dizer que, nesse particular, fui favorecido pela sorte. Não tive que enfrentar a má vontade estrangeira, principalmente americana, porque o amendoim era produto que pesava pouco na balança de exportação. Pude contar apenas com o elemento nacional que sabe dar valor aos benefícios que lhe trazemos.
- E que benefícios são esses?
- Em primeiro lugar, a valorização do produto.
- Como assim?
- Muito simples. Depois de fundado o Instituto, o amendoim, que era um produto desprezível, vendido por preços ínfimos, valorizou-se extraordinariamente. Era um produto abandonado, vendido nas esquinas pelos índios, alimento de pobres, a preços ridículos. Hoje, está valendo 50, cem vezes mais.
- Valendo ou custando?
- Se está custando, está valendo, não acha?
- Sim...
- Começamos por controlar a produção. Antes, qualquer vagabundo podia plantar amendoim. Em todos os quintais o primeiro pé-rapado podia ter a sua plantaçãozinha, o que prejudicava os verdadeiros produtores. Agora, não. É preciso uma licença especial. Só agricultores qualificados podem plantar amendoim. E nós não procedemos levianamente. Para obter a licença (a regulamentação do amendoim já deu origem a mais de 200 decretos-leis) o interessado tem que apresentar uma documentação completa: provar que é dono das terras exibindo papéis relativos aos últimos 80 anos (o que é uma fonte de renda para o Estado, anima os negócios, faz circular o dinheiro, auxilia os advogados, os cartórios, os tabeliões), e só pode empregar nessa lavoura pessoas diplomadas pela Escola Técnica de Amendoim e Culturas Afins...
- Diplomadas? Um curso especializado?
- Bem... Nesse ponto não somos muito exigentes. Não obrigamos o candidato a perder tempo na Escola, mesmo porque ainda não está funcionando. Enquanto não se organiza a Escola, que vai ser um monumento de arquitetura moderna, facultamos aos interessados, mediante módico pagamento, o uso de uma licença especial, de caráter temporário, renovável cada três meses, a fim de poderem trabalhar nos campos de cultura amendoinzeira. Para evitar que o amendoim seja cultivado por pessoas inidôneas, todos os plantadores são obrigados a um depósito correspondente à metade do valor das terras, no Banco del Palomar. A vantagem é dupla: só agricultores qualificados se dedicam a essa indústria tão futurosa amparada pelo Estado, com garantias de preços mínimos, e ganha a economia nacional, porque crescem os depósitos bancários...
- Mas a obrigação de apresentar documentos dispendiosos e de fazer os depósitos não assusta e não afasta os agricultores possivelmente interessados?
- Afastaria, talvez, se o governo não tivesse visão. Mas o decreto 8.063 previu e preveniu o perigo. O senhor sabe: somos um país pequeno, que só agora disputa o seu lugar no concerto dos povos. Precisamos controlar a vida nacional, constranger os proprietários ao aproveitamento de suas terras em benefício da coletividade...
- E...
- E assim é que o Estado é que determina quais os agricultores qualificados, quais as terras que devem ser dedicadas à cultura do amendoim...
- E se eles se recusarem?
- Não se recusam. Em primeiro lugar, porque o patriotismo é o apanágio do nosso povo. Em segundo lugar, porque o governo, com sua sabedoria, sabe constranger os que porventura queiram fugir ao cumprimento do dever.
- Com sanções?
- Não. Com multas.
- Pesadas?
- Na aparência.
- Por que na aparência?
- Na verdade, a multa corresponde ao dobro do depósito que o agricultor deveria fazer se pretendesse plantar amendoim. Mas se ele acabar caindo em si e reconhecer o seu erro...
- Será devolvido o dinheiro da multa...
- Em parte. O governo devolve 25% da quantia já paga, ficando o infrator apenas na obrigação de fazer o depósito da lei com um pequeno acréscimo de 10%, destinado a fomentar pesquisas em torno da vitaminologia do amendoim...
- Mas isso é escorchante, não será?
- Parece. Não chega a ser. Poucos são os agricultores relutantes. E o governo não faz isso apenas com a intenção de arrecadar dinheiro para si. A intenção é mais patriótica: obrigar o dinheiro a circular, distribuir melhor a riqueza...
- Distribuir a riqueza?
- Sim. O Instituto tem 1.035 fiscais. Todos eles beneficiados com 35% das multas. Alguns já estão bastante ricos, o dinheiro não se concentra mais na mão dos latifundiários.
- E é fácil conseguir o posto de fiscal?
- É o que o senhor pensa! O fiscal tem que ter habilitações muito grandes. Precisa ter um diploma, ou certificado de habilitação temporária, também renovável cada três meses, e deixar no Banco Nacional um depósito de 25 mil pesos. Além disso, não é qualquer desclassificado que pode alcançar o posto. Precisa pertencer às famílias tradicionais, a gente bien. E é uma classe socialmente respeitada: 67% pertence à família ou às relações pessoais do Marechalíssimo. Mais ainda, para prestigiar o amendoim, as nomeações são feitas diretamente pela Presidência da República.
- Quer dizer que a produção deve ter aumentado enormemente...
- Em termos, sim. Mas as leis não podem ser inflexíveis, naturalmente. O que vale não é a letra, é o espírito da lei. Há casos em que o interesse da economia geral pode aconselhar o aproveitamento de terras amendoinzáveis para outras culturas mais urgentes e...
- E nesse caso há dispensa...
- Sim, sempre que o proprietário abra mão do depósito legal e pague uma taxa de isenção...
- Que afinal vem onerar demasiadamente as outras culturas...
- Iria onerar. Iria, se a legislação não soubesse prever. Mas o INA auxilia, nesse caso, a agricultura, facultando ao lavrador o pagamento em espécie, isto é, quem pretende cultivar, digamos, batatas, pode pagar a sua taxa em batatas, arroz em arroz, bananas...
- Em bananas...
- Isso. O senhor apanhou bem o espírito da lei. O INA faz tudo para cooperar...
- Mas isso obriga o INA a ter depósitos imensos e armazéns...
- Não é necessário. Prevemos isso. O próprio agricultor se incumbe de vender a mercadoria, cujo preço é taxado por nós, recolhendo o dinheiro aos cofres públicos...
- Assim que tenha efetuado a venda...
- Não. Isso não deu certo. Causa delongas, dá lugar à má-fé dos menos patriotas. O pagamento é feito antecipadamente. Mas o produtor não fica prejudicado por isso porque, de acordo com o regulamento, ele poderá pagar-se com as primeiras vendas que realizar...
Eu estava positivamente encantado com a república de El Palomar e com as medidas de proteção à indústria do amendoim, que, em latim, era mendobus, segundo me garantiu o diretor do INA.
Essas informações eram prestadas à medida que percorríamos salas faustosas, com ar condicionado, gráficos fabulosamente desenhados, mostrando a extraordinária valorização do produto nos últimos anos, além de quadros históricos com figuras da literatura, da arte, da militança comendo amendoim, entre as quais Balzac, Napoleão e Casanova. O major-romancista não se cansava de aprovar e mostrar outros aspectos da obra já realizada. Um deles:
- Reparou no vasto funcionalismo do Instituto? É um dos benefícios que trouxe: combate o desemprego, dá serviço a mais de 2 mil pessoas, só na capital, sem falar nos postos e entrepostos regionais de fiscalização, controle e fomento. Uma coisa extraordinária. Quase toda esta gente não fazia nada antes... principalmente as moças. Algumas, mesmo, estavam quase beirando o abismo social do... do... de certos maus passos. Mas o INA surgiu e deu-lhes amparo e trabalho, digno e remunerador.
Visitamos a seguir o Museu Histórico, Etnográfico e Industrial do Amendoim, no sétimo andar, a Biblioteca Especializada, no oitavo, a sala de projeções cinematográficas, o Laboratório de Pesquisas e outros departamentos.
- Antigamente - disse-me o diretor - o comércio do amendoim era o mais pobre do país, como talvez ainda seja no seu...
Parou, para que eu confirmasse, compungido.
- ...Hoje, não. O INA também cuidou desse aspecto. Acabamos com os vendedores avulsos, maltrapilhos. Só casas especializadas podem vender amendoim. Não viu o Palácio do Amendoim, na Plaza de Armas? É perfeito, limpo, claro, batido de luz, com recolhedores próprios para as cascas. Aliás, o INA mantém uma missão na América do Norte há quatro anos estudando as possibilidades do aproveitamento industrial da casca de amendoim. Vai ser mandada outra missão para a Europa com o mesmo fim. Foi organizada há dois anos e só não seguiu ainda em virtude da guerra. Tão pronto termine, a missão seguirá. Por sinal que todos os seus membros estão impacientes por partir porque, o senhor compreende, é desagradável receber sem trabalhar...
E acrescentou:
- O INA pensa em tudo. E contribui até para o desenvolvimento intelectual do país. Todos os anos há um prêmio para o melhor romance e para a melhor peça de teatro em que se focalizem as virtudes do amendoim. O prêmio de romance deste ano coube a Conejo Nieto com o seu livro El Amante Insaciable, uma obra-prima.
Entrávamos numa sala que me encheu de surpresa; oficina de costura.
O major viu o meu espanto e explicou:
- Sim, é uma oficina-modelo, que desenha os uniformes para os vendedores de amendoim. Mudam todos os anos. Não permitimos que se venda amendoim em trajes comuns. É mais distinto. A diretora da seção, senhora de muito boa família, amicíssima do Marechal, deve seguir para Nova York dentro de um mês, em viagem de estudos...
Voltávamos para o corredor e eu olhava um gráfico. E, embora o valor do amendoim tivesse sido multiplicado por 50 e por cem, no último lustro, outros dados mostravam que a produção subira menos de meio por cento.
Estranhei a coisa em voz alta.
- Isso faz parte dos nossos planos - disse o diretor. - Um dos nossos cuidados foi valorizar o amendoim não somente como preço, mas como categoria...
- Não compreendo...
- É simples. Valorizando no preço, custeamos o INA sem onerar o Tesouro. E mais do que isso: com o aumento do preço damos classe ao produto. Um pacote de amendoim, que era antigamente um punhado de peanuts, como dizem os americanos, embrulhado num pedaço imundo de jornal, custava então dez centavos. Hoje, a mesma porção bem apresentada, obrigatoriamente em papel-celofane ou em caixas de grande luxo, para presentes, custa dez, 20, 30 pesos. Nesse ponto damos inteira liberdade ao comércio. Resultado: deixou de ser produto para a ralé. É um artigo procurado pela nobreza e pelo clero, pelas classes mais representativas. Nosso plano é dar ao amendoim a classe que tem o caviar fora da Rússia, o champanhe na França e fora da França, as jóias, os perfumes pelo mundo inteiro. E isso será conseguido brevemente, assim que tivermos concluído a repressão do contrabando vindo das repúblicas vizinhas.
E em tom confidencial:
- Infelizmente temos tido certas dificuldades, porque há pessoas altamente colocadas interessadas no contrabando. O próprio...
Mas uma tosse viva e seca do major cortou-lhe a palavra. O diretor empalideceu. E para dizer qualquer coisa:
- E no seu país... o governo tem feito alguma coisa pelo amendoim?
Afirmei humildemente que não.
- Oh! Mas é incrível! É incrível! Um país tão adiantado, tão progressista como o seu, não fez, não faz nada pelo amendoim?
- Mas faremos, faremos sem dúvida nenhuma! - afirmei, cheio de confiança na minha terra e nos seus estadistas.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Concurso de feiura - OGX x Bankia

Senhores e senhoras, com vocês dois dos piores investimentos em ações dos últimos três anos: em laranja, a petrolífera OGX, que dispensa apresentações. Em preto, o Bankia, conglomerado de sete cajas regionais espanholas que tentou pisotear a "primeira lei das fusões bancárias" conforme postulada no último livro do Gustavo Franco: "duas prostitutas não fazem uma donzela." Façam suas apostas em quem vai primeiro à bancarrota (a minha: acho que a OGX tem salvação; o Bankia, não).



terça-feira, 21 de maio de 2013

Gráfico do Dia - hot money

Curioso observar que, de algumas semanas pra cá e depois de muito tempo, começaram a pipocar relatórios de bancos sobre reversão de fluxos de capital e risco de "paradas súbitas" no financiamento externo. Esse gráfico usa dados de um dos mais interessantes que recebi (de Stephen Jen, para o Itaú BBA); segundo o autor, esse é dos indicadores mais importantes para avaliar aquele risco.


sexta-feira, 17 de maio de 2013

Som da Sexta - comandante Chris Hadfield

O único possível desta semana.

Leituras da Semana

Pimp my ride
- Hugh Hendry andava sumido; aqui sua revisão do primeiro trimestre.

- Um breve histórico de crises financeiras, pelo time do Deutsche Bank.

- Um indicador contrário para o Japão.

- Dani Rodrik: para que servem economistas?

- Paul Krugman na NYRB sobre austeridade.

- Entrevista com George Soros sobre o euro e a economia da Itália.

- David Tepper falando na CNBC.

- Um perfil de Deirdre McCloskey.

- O livro preferido de William Easterly.

- Lista de romances clássicos para economistas.

- Guiné Equatorial, um país miserável de US$20 mil de PIB per capita.

- O que há de errado com as elites francesas (Aline podia comentar, né?).

- John Gray sobre os próximos cem anos, pessimistão.

- Um manual para tudólogos autodidatas.

- Um musical baseado na obra de John Rawls (?!?!)

- Uma jornada nos caminhões psicodélicos do Paquistão ao Afeganistão.

- Um arquiteto dá a volta ao mundo em 30 fotografias.

- Um museu de relacionamentos terminados.

- Os mais de 100 sabores de Fanta pelo mundo (ou: porque a humanidade não deu certo).

- O fim das clássicas embalagens dos biscoitos Piraquê (via Sergio Leo).

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Brasil, na contramão do mundo

A tabela abaixo é uma versão resumida da que aparece no ótimo Central Bank News (tirei os países menores e quem não mexeu nos juros este ano).


Com exceção de Brasil e Egito (poupem os comentários da "mistura do Brasil com Egito", por favor), há um padrão claro: o mundo está cortando juros, ou, quando esses já estão muito próximos a zero, embarcando em outros experimentos monetários menos católicos (estou pensando em EUA e, sobretudo, Japão). O crescimento global aparentemente está mais lento do que se esperava, preços de commodities vêm caindo e, como consequência desses dois fatores, a inflação está caindo em boa parte do mundo. Para pegar um caso típico: na Turquia, o índice de preços ao consumidor acumulava alta mais de 11% nos doze meses terminados em abril do ano passado; hoje, a mesma medida é de pouco mais de 6% (e o banco central turco deve seguir cortando juros amanhã, para uma taxa real ainda mais negativa).

O Brasil compartilha do problema global de crescimento, mas por aqui a resiliência e o patamar da inflação fazem com que muita gente sensata ache que o BC deveria divergir ainda mais do padrão mundial e subir os juros mais rapidamente. Grande parte da explicação para isso está numa peculiaridade do mercado de trabalho, também divergente do resto do mundo, com baixo desemprego e salários reais em alta. Essa explicação, por sua vez, encontra raízes em uma combinação de forças demográficas (tem uma matéria bacana na última piauí sobre isso, ainda fechada para não-assinantes) e um governo francamente trabalhista, que fez da indexação do salário mínimo uma de suas principais políticas de redistribuição de renda.

Disso todo mundo já sabe. A questão agora é: como evitar que o cenário atual vire uma estagflação prolongada ou mais acelerada? Não há resposta fácil (claro que o leitor chegou até aqui esperando uma solução mágica, desculpo-me). Nos EUA, a estagflação dos anos 70 terminou com o choque de juros comandado por Paul Volcker e a desmontagem progressiva do poder dos sindicatos durante o governo Reagan. Aqui, creio, antes da eleição do ano que vem será feita uma tentativa de não mexer muito nos juros, e, ao menos enquanto o poder estiver nas mãos de um partido criado a partir de sindicatos, uma saída daquele tipo parece altamente improvável (e lenta, de qualquer maneira).

Me parece que, atualmente, a maior aposta do governo é que as medidas de desoneração passadas e futuras vão, algum dia, resultar em uma dinâmica deflacionária - pouco provável, com base no que aconteceu com um dos maiores possíveis, a queda dos preços de energia elétrica. Tudo isso enquanto se torce para que não ocorra um novo choque desfavorável nos preços de alimentos e tentando evitar que o aperto no mercado de trabalho se resolva com empresas demitindo e desemprego aumentando a meses das eleições. Equilíbrio complexo e delicado, como se nota.

Tendo sucesso em não "balançar o barco" até as eleições e mantida a essência da conjuntura atual, creio que em 2015 o Brasil permitirá uma forte desvalorização cambial, alta de juros e, eventualmente, uma recessão. Porém, há muitas variáveis fora do controle dos nossos planejadores, e as condições de mercado podem adiantar esse ajuste. Muito cedo ainda para especular sobre esse timing, mas é difícil ficar animado com a economia brasileira nos próximos anos (com a ressalva que a situação atual, enquanto mantida, é muito boa para grande parte da população).

terça-feira, 14 de maio de 2013

Equação do dia

Não é um DSGE, mas deve explicar muita coisa.


segunda-feira, 13 de maio de 2013

A inutilidade de previsões do PIB

Cumprindo a promessa de depois das eleições dos EUA do ano passado, estou no finalzinho do excelente The Signal and the Noise (segundo a Folha, a tradução para o Português sai mês que vem). O capítulo 6, sobre o fracasso das previsões de variáveis macroeconômicas, deveria ser obrigatório antes de qualquer curso de econometria. De lá roubei esses dois gráficos:


Esse gráfico mostra as previsões para a variação anual do PIB americano recolhidas na Survey of Professional Forecasters. As barras delimitam um intervalo de confiança de 90%, ou seja, se as previsões são corretas, em 90% do tempo o PIB observado vai se situar dentro dessas barras. Os resultados observados são os pontos pretos (quando dentro do intervalo esperado) ou os "x" (quando fora). Silver notou que, para esses anos, em 1/3 do tempo o observado ficou fora do intervalo de confiança. Estendendo o mesmo exercício para uma amostra desde 1968, em quase metade do tempo o crescimento observado ficou fora desse intervalo.


Este mostra a relação entre previsões e as observações efetivas para o crescimento do PIB entre 1986 e 2006 - a correlação (ou seja, o poder de previsão dos analistas) é praticamente inexistente.

A mensagem central do livro é: previsões funcionam bem em alguns campos, nem tanto em outros. Em alguns, a tecnologia ajudou a melhorar a qualidade das previsões; em outros, pouco fez diferença. O histórico de previsões macroeconômicas, em especial, pede no mínimo humildade e muita desconfiança de quem tenta viver certezas, sejam eles políticos ou economistas.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Caption contest

Não consegui me conter, essa foto (da Dilma recebendo do presidente da Venezuela um quadro com a foto de Hugo Chávez) pede um concurso de legendas:

Obrigada, vai ficar ótimo no meu lavabo

Som da Sexta - Noisettes

Descoberta da semana. A banda já tem 10 anos, e a vocalista Shingai Shoniwa tem uma voz muitíssimo distinta.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Frases do Dia - Utopias

In its distance from any existing or realistically imaginable condition of society, “the communist idea” that has been resurrected by thinkers such as Alain Badiou and Slavoj Žižek is on a par with fantasies of the free market that have been revived on the right. The ideology promoted by the Austrian economist F.A. Hayek and his followers, in which capitalism is the winner in a competition for survival among economic systems, has much in common with the ersatz version of evolution propagated by Herbert Spencer more than a century ago. Reciting long-exploded fallacies, these neo-Marxian and neoliberal theories serve only to illustrate the persisting power of ideas that promise a magical deliverance from human conflict.

Da brilhante resenha de John Gray para uma nova biografia de Karl Marx, do historiador Jonathan Sperber.

P.S. Hoje Hayek faria 114 anos.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Gráfico do Dia - a volta da dívida externa

Desse ótimo relatório do Credit Suisse, que revisita a situação da dívida externa no Brasil (clique para aumentar). Acho que, dada essa conjuntura, a grande questão é: a que taxa de câmbio o banco central começa a entregar reservas para o setor privado honrar os compromissos no exterior?