segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Ricardo Paes de Barros

A última piauí tem um perfil longo do cara (por enquanto na rede só para assinantes), a quem se atribui a paternidade intelectual do Bolsa Família - fato que, junto com seu cargo na Secretaria de Assuntos Especiais da presidência, faz dele um dos economistas mais influentes na formulação de políticas no Brasil (no critério usado por alguns brilhantes conselhos regionais, ele não contaria como economista, já que fez graduação em engenharia, no ITA).

A matéria segue a tradição de boa qualidade da piauí, com algumas escorregadas que não comprometem o resultado final (exemplos aleatórios: meio forçado dizer que o Paes de Barros é um dos "mais respeitados especialistas mundiais em pobreza e desigualdade", e não precisava tacar uma foto dele escrevendo equações na janela, à moda do Russell Crowe - John Nash de Uma Mente Brilhante). Destaco algumas passagens que me chamaram a atenção:

1. Não tinha ideia que o Carlos Langoni escreveu um artigo seminal (no início dos anos 1970) sobre desigualdade no Brasil. Pergunta para o pessoal da área: é seminal, mesmo, ou o repórter exagerou?

2. Paes de Barros foi para o doutorado em Chicago mal sabendo falar inglês, algo inimaginável hoje (mais ainda considerando que ele sempre passou por boas escolas, vindo de uma família que aparentemente dava importância à educação). É muito curiosa a mudança, em duas ou três gerações, na importância dada por aqui a saber falar mais uma ou duas línguas.

3. Sei que o Paes de Barros está longe de ser unanimidade entre quem trabalha com problemas de desenvolvimento no Brasil. Pela matéria, as ideias dele tem muita ênfase em reduzir o índice de Gini, concentrando esforços no quê, pelos modelos econométricos, provoca essa redução de forma mais eficiente. É essa a principal crítica?

4. Diz o Moreira Franco na matéria:
"Foi entre 2001 e 2002", recorda o hoje ministro da SAE. "Fizemos um grande seminário, o texto foi aprovado. Fomos apresentar o documento ao Serra, durante uma reunião, como manda o figurino, num hotel no Rio de Janeiro. Dessa reunião participaram Marcos Lisboa, Ricardo Henriques, Michel Temer. Ao final do encontro, o Serra me chama e diz: ´Pô, Wellington, como você gosta desse pessoal de direita! Você não tem jeito, você só anda com a direita!'"

De onde pode-se especular ou concluir que: i) uma equipe econômica do Serra, se tivesse ganhado a eleição em 2002, seria bem mais heterodoxa do que a do Lula; ii) com Serra, não existiria Bolsa Família; iii) o definhamento político do Serra não é obra do acaso.

5. Também da matéria, falando sobre o período após Marcio Pochmann assumir a presidência do Ipea, do qual Paes de Barros era funcionário:
Paes de Barros disse acreditar que Pochmann tinha como objetivo deliberado minar as suas resistências, o que quase conseguiu. "Porque isso não é assim, e o Marcio sabia: 'Esse cara vai resistir um ano, dois anos, três anos. Uma hora esse ostracismo, essa falta de demanda, essa falta de tudo vai...' Eu não resistiria a um novo governo assim. Se eu não tivesse sido convidado para vir para cá, para a SAE, teria procurado outra coisa para fazer. Dificilmente eu iria passar esse governo Dilma no Ipea."

Enfim, vale ir atrás da revista, que está muito boa - ainda não terminei de ler, mas além desse perfil, tem um editorial bom do Fernando de Barros e Silva sobre as eleições municipais, um relato-gonzo engraçado e desesperador da Vanessa Barbara nos "cinemas VIP" de São Paulo, a tradução de um trecho muito bom do livro novo (sobre experiências com drogas) do Oliver Sacks e o Marcos Nobre sobre a última onda de modernização do Brasil. E, não, o João Moreira Salles não me mandou um cheque-jabá.

27 comentários:

Adam disse...

Olá, Drunkeynesian.

A Piauí conseguiu retirar-me uns R$ 17 reais usando de meios, se não ilícitos, certamente antiesportivos (porque artigo do NPTO não de pode deixar passar). Não consegui ler toda por pura falta de tempo, mas até comecei a largar trabalhos para ler coisas assim.

Agora vem você com a descrição de outro artigo que parece indispensável. Se o cara anão te mandou um cheque, você deveria ir lá cobrar :)

Até!

Drunkeynesian disse...

Hahaha... faltando dinheiro e sobrando paciência, eles costumam liberar quase todos os artigos na internet até o final do mês...

Anônimo disse...

Drunk, respondendo sua pergunta: ele é sim um dos brasileiros mais respeitados no mundo, no que se refere a desigualdade e pobreza. Mas com a ressalva que os trabalhos dele são na linha James Heckmann (até publicaram juntos).
Totalmente diferente da linha do Amartya Sen, ou, esticando um pouco a corda, do Acemoglu.
Não se se ele comenta na entrevista, mas neste período do Pochmann (dark age do IPEA), ele quase foi embora para os EUA dar aula e fazer pesquisa. Sei de fonte segura.
abrs

Drunkeynesian disse...

Obrigado, Anon...

Dos brasileiros imagino que sim, queria saber se ele tem mesmo relevância mundial no que publica.

A história do Pochmann está no post, item 5.

Abraço!

Anônimo disse...

Alguém aí poderia detalhar um pouco mais sobre sssa dark age do Pochamann, por favor.

Já vi muita gente se referir ao tal período mas sem grandes exemplos e talz. O que ele fazia pra incomodar tão diretamente o Paes de Barros?

Anônimo disse...

é seminal mesmo, é citado por todos os estudos sobre desigualdade brasileira.

Houve uma controvérsia do Langoni com o Fishlow que é interessante de relembrar.

www.econ.puc-rio.br/pdf/td415.PDF

Anônimo disse...

ja que falamos em IPEA e sobre pesquisa em desigualdade cabe lembrar a briga feia entre ele e o Marcelo Neri quando ambos trabalhavam juntos...

Anônimo disse...

O langoni tem sim um trabalho sobre desigualdade. É um trabalho do tempo em que ele e o Malan eram considerados os sucessores intelectuais da Conceição....

Sim... isso mesmo.. o Malan e o Langoni eram crias da Maria da Conceição Tavares......

Drunkeynesian disse...

Quanto ao "dark age" do Ipea, consta que o Pochmann botou na geladeira um monte de pesquisadores de "direita" (o Paes de Barros entre eles, também o Fabio Giambiagi, pra pegar dois casos famosos. Não sei o quanto o clima de perseguição era generalizado e abertamente ideológico...

PK disse...

Sempre que falam em perseguição me vem a cabeça uma pergunta ? Quem de nós não gosta de se cercar que pessoas afinadas em nosso ambiente de trabalho ? Por acaso durante os anos tucanos alguém falava em perseguição ideológica aos heterodoxos quando estes não ocupavam cargos de destaque nos orgãos chefiados por economistas de viés dito liberal ?? Quando a PUC-RJ mandava no ipea seus economistas podiam ser acusados de perseguir ideologicamente a turma da UFRJ e da UNICAMP ???

No caso do Giambiagi cabe lembrar que ele não era funcionário do IPEA e sim cedido pelo BNDES

Esse papo de perseguição é muita viadagem

Acho isso tudo uma grande bobagem

Drunkeynesian disse...

Acho que há um espaço grande entre colocar pesquisadores na geladeira e cultivar uma diversidade intelectual que acho desejável (que provavelmente também não existe em outros ambientes parecidos). O que sei do Ipea é só de terceira mão, não sei o que realmente aconteceu lá dentro.

"O" Anonimo disse...

"Já vi muita gente se referir ao tal período mas sem grandes exemplos e talz. O que ele fazia pra incomodar tão diretamente o Paes de Barros?"

O Pochmann no IPEA eh como se voce colocar um encanador como diretor do Instituto do Coracao.

"O" Anonimo disse...

O problema não é promover heterodoxos ou colocar “ortodoxos” na geladeira. O problema é que o Pochmann é um charlatão, uma piada, uma fraude, ele está para a pesquisa econômica assim como um encanador está para a cirurgia do coração.

Gabbardo disse...

A minha impressão de leigo em relação ao Porchmann é que ele ainda insiste no "valor-trabalho". Li alguns artigos dele para a Revista Fórum, me senti no meio de um círculo de ricardianos na década de 1840

Jorge Browne disse...

Concordo com o Pk. Claro que a turma ortodoxa chiou e ainda se ressente, faz parte...

Anônimo disse...

Quanto ao PB só sei uma coisa: ele é um puta professor.
Quando fiz minha graduação em economia na UFF tinha aulas de econometria com a Rosane Mendonça, ela era muito amiga do PB e ele foi lá nos dar umas três aulas.
Clareza e precisão. Quer mais alguma coisa?
Outro da turma do PT que é um professor fantástico é o Ricardo Henriques (também do IPEA). Macro II e III com ele.
Terminavam as aulas e eu tinha certeza absoluta que havia feito a escolha correta em estudar economia (embora no lugar errado, pois a UFF era uma desorganização total, apesar de alguns bons professores).
Tem um artigo relevante na área de desigualdade em que os três aí em cima estão juntos.
Abs.
RP

Drunkeynesian disse...

O texto da piaui fala bastante do Ricardo Henriques.

Anônimo disse...

Serra merece todo respeito por sua história e por sua luta para consolidar a democracia brasileira. Ademais, respeito ele pela coragem por encarar de frente a petezada e o malufismo. Mas em matéria de economia, a linha do PSDB está bem exposta no seguinte debate ocorrido no IFHC: http://www.ifhc.org.br/transi%C3%A7%C3%A3o-incompleta-e-dilemas-da-macroeconomia-brasileira/. Vale a pena assistir os vídeos porque os caras dão aula de economia brasileira. Fora disso, é só boato de gente desinformada.

Anônimo disse...

O problema do “dark age” do IPEA eram pelos menos quatro. Primeiro, a nomeação para cargos de direção de pessoas que não estavam acostumadas com pesquisa e conheciam pouco a literatura. Uma vez um outro diretor reclamou para o meu diretor porque em uma discussão fui contra a tese que o Brasil passava por um grave processo de desindustrialização. Outra vez um diretor barrou o Marcelo Abi-Ramia Caetano, que estuda previdência, de participar de um seminário no México (sem custo para o IPEA) porque estudos de previdência era da área dele.

Segundo, criou-se um falso ambiente de debate. Tínhamos liberdade para ler e debater, mas não nos davam recursos para convidar acadêmicos para participar de nossas discussões. Eu organizava um debate a cada 15 dias na minha diretoria e nunca me foi dado recurso para trazer o Bacha, Márcio Garcia, etc. para vir ao IPEA. Na minha diretoria, passamos 12 meses, isso mesmo 12 meses de setembro de 2011 a setembro de 2012 sem nenhuma reunião técnica. As poucas vezes que conversei com o meu diretor era para explicar porque o jornal tal me citou como funcionário do IPEA. A partir de certo momento passei a pedir para aos jornais para não mais citarem meu vinculo com o IPEA.

Terceiro, “tolice de criança”. Quem me conhece sabe que não uso econometria nas minhas análises, que tenho formação mista de economia e política pública e tenho amigos de direita e de esquerda. Pessoas que pensam diferente podem conviver e pesquisar juntas. Mas em certo momento no IPEA se passou a rotular as pessoas – neoliberais versus desenvolvimentistas. Uma grande tolice. Trabalhar em um ambiente assim era terrível e a minha estratégia de sobrevivência foi falar para fora e participar de debates fora do IPEA. Até hoje sou grato a FGV que me permitiu participar de debates interessantes e aos professores da PUC do Rio que pagavam minhas passages para as interessantes reuniões na Casa das Garças.

Quarto, como a direção a partir de certo momento teve problemas de comunicação com os técnicos da casa, os técnicos mais novos do último concurso foram selecionados para cargos de direção para livrar a casa dos vícios dos antigos – aqui entra tanto o PB como outros tantos (eu inclusive). Além do mais, as viagens e reuniões passaram a ser fortemente controladas. Uma vez economistas do FMI em missão no Brasil pediram para conversar comigo e marquei a reunião para uma sexta-feira às 18:00. Fui informado que o convite para reunião não poderia ser pessoal a mim, tinha que ser dirigido ao presidente do IPEA. Liguei para o FMI , expliquei a situação e fizemos a reunião no escritório do FMI em Brasília, e levei mais 4 técnicos do IPEA que queriam participar.

Por que fiquei no IPEA sobre essas condições? Na verdade eu estava quase saindo, tinha 3 convites para sair. Mas até isso estava difícil, pois estavam negando licenças sem remuneração e baixaram uma norma que não permitia o IPEA liberar ninguém. O secretario-adjunto de Política Econômica do Min da Fazenda, Sergio Gobetti, teve sérios problemas para conseguir ser liberado para o Ministério da Fazenda.

Agora o pior de tudo foi achar que quem viaja para congresso o faz para passear. O funcionário exemplar passou a ser aquele que fica quieto na sua sala (mesmo que não trabalhe) e escreve como o governo tem a solução para tudo. A partir de certo momento passei usar minhas férias para viajar para congresso - outros técnicos fizeram a mesma coisa.

O problema não é a filiação de um pesquisados com essa ou outra corrente. O problema é quando se tenta ganhar respeito pelo uso da hierarquia. Tenho centenas de exemplos para dar e isso nao tem nada a ver com o PT. No primeiro governo Lula, com o Glauco Arbix que não é economista e ligado ao PT, o IPEA funcionou muito bem.

Drunkeynesian disse...

Mansueto, muito obrigado por um comentário de primeira mão e pela coragem por contar a história vista de lá de dentro.

Anônimo disse...

Mansueto é o cara.

Ainda bem que essa palhaçada acabou.

Anônimo disse...

Parabéns Mansueto!

Anônimo disse...

Vale a pena ler a introdução do Heckman (prêmio Nobel de Economia e orientador do PB em Chicago) à edição da BRE em homenagem ao Paes de Barros (link abaixo). Deixa claro a importância de suas contribuições, ainda que muitas delas tenham sido divulgadas indiretamente através dos trabalhos do próprio Heckman.
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/bre/article/view/3696/2304

Abs,

JMS

Anônimo disse...

Com todo respeito aos economistas ditos técnicos, mas eu não trabalharia para o regime nazista, fascista ou comunista (russo ou chinês) por uma questão de princípio moral. Como trabalhar para um chefe que mata pessoas ou opera via meios escusos para se manter no poder?

Anônimo disse...

Ainda não li o artigo da Piaui, mas já tá lá em casa pra ler. Pelo jeito fala de perseguição dentro do IPEA. Não sou do IPEA e nem de nenhum orgão do governo federal, mas lembro aos liberais da PUC Rio que ninguém da UNICAMP ocupava cargos onde eles mandavam - Ipea, BNDES e BC - durante os anos FHC quando os economistas "fiscalmente responsáveis" da PUC levaram o País ao FMI duas vezes. Então esse Mansueto deveria sempre lembrar quando fala de seus heróis da PUC-Rio "meus amigos, que elevaram o déficit público de 22% do PIB para 56%..." ou "apesar de advogar um Estado Mínimo, nós da PUC Rio elevamos a carga tributária de 24% do PIB para 35%". Então, quando o Carlos Lessa pôs essa corja numa salinha com um bloco de desenho e lapís de cor ou quando o Pochman não deixou esse bando que quebrou o País e depois virou banqueiro nem participar de seminário estavam certos.

"O" Anonimo disse...

Isso está cansado. A questão do Pochmann no IPEA não é um debate entre PUC e Unicamp, mas sim um debate entre economistas profissionais de qualquer departamento contra fraude intelectual. Eu não gosto de muita gente da Unicamp, mas nem todo economista da Unicamp tem um longo histórico de fraude intelectual. Qualquer economista honesto vindo da Unicamp deve ter nojo da idéia que o Pochmann pode ser presidente de um instituto de pesquisa (e se não tem nojo, é um imbecil ou desonesto também).

Diga-se de passagem, não é nem uma questão PT/PSDB. O Paes de Barros sempre foi petista. O problema entretanto do Paes de Barros com a turma do Pochmann é que ele não é um charlatão, ele é um cara que não inventa números em sua pesquisa acadêmica, estudou economia em uma escola de verdade não em uma fábrica de diplomas etc.

Rodolfo disse...

O Ricardo Paes não se considera de esquerda, só que sem desmerecer o papel do mercado na redução da desigualdade? Acho que ele até fala isso na entrevista.