quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Tentando entender a crise na Europa (parte 1)

Muita gente tem me perguntado sobre o que acho que vai acontecer com a Europa. Desde o início da crise, eu mudei de opinião pelo menos uma vez: achava que o mais provável seria uma saída dos países fracos (Grécia, para começar) da moeda única; hoje creio que pouca gente está disposta a pagar para ver o tamanho do choque que isso causaria no continente inteiro. Comecei há uns dias a escrever meus pensamentos e como cheguei até eles; infelizmente, tanto as questões são complexas quanto minha capacidade de síntese não é das melhores, e, até agora, já conto cinco páginas no Word e ainda não dei o trabalho por terminado. Como o formato aqui pede textos mais curtos (acho), vou separar em partes e ir publicando, uma por dia, até acabar. Quem tiver paciência para ler, sinta-se convidado a comentar e debater; quem não aguentar mais falar do Velho Continente, pode voltar daqui a uma semana e encontrar a programação normal de volta.

A essa altura, todos os bons analistas e afins já deram suas opiniões sobre a crise na Europa, e já estamos no ponto em que os palpiteiros mais levianos e menos ilustrados começam a falar como se tudo fosse previsível e que era óbvio que acabaríamos nessa situação (na sofisticada linha de que macroeconomia é igual a economia doméstica: se a dona de casa gasta mais do que ganha, uma hora vai encontrar problemas). Onde quer que eu me encaixe nesse espectro, aí vão alguns pensamentos meio soltos, que vão servir provavelmente mais para eu organizar minhas convicções do que acrescentar algo novo ao debate:

1. O principal problema da Europa é o endividamento de alguns países. Por uma série de motivos, há alguns meses o mercado parece ter atingido um ponto de saturação, e o que parecia sustentável (isso é, possível de ser rolado com a barriga) virou um grande problema para o futuro. É claro que Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e companhia não se endividaram de um dia para o outro; em minha opinião, ocorreu que, após alguma esperança de recuperação das economias após o choque da crise de 2008, este ano a realidade mostrou claramente que: (i) a crise não era apenas uma desaceleração cíclica; (ii) em certo sentido, a crise não acabou, já que os mesmos problemas que levaram a ela (excesso de alavancagem e risco moral, para simplificar) continuam influenciando os mercados e as economias nacionais.

Até pouco tempo atrás, os grandes estoques de dívida acumulados por alguns países tinham refinanciamento praticamente garantido, a taxas de juros historicamente baixas. A premissa por trás dessa situação é que a dívida e seu serviço (pagamento de juros) não vão crescer de forma explosiva, sobretudo com relação à variável macroeconômica mais usada como indicador de capacidade de pagamento: o PIB nominal (a variável mais direta seria a arrecadação de impostos, mas esta é, historicamente, bastante correlacionada com o valor do PIB). Com a crise, tanto a necessidade dos países se endividarem aumentou (seja por políticas fiscais mais expansionistas, para tentar reativar a economia, ou por transferências de dívidas do setor privado para os governos - os bailouts de bancos) quanto o PIB nominal parou de crescer (com inflação baixa e baixo crescimento real da economia - há quem ache que esse é "o" problema, ver o Scott Sumner), e o resultado foi queda na receita tributária e piora na relação dívida (crescente) / PIB (estagnado). Uma vez percebido isso, era questão de tempo para que o mercado passasse a atribuir um risco maior para a possibilidade de alguns países entrarem numa espiral negativa, passando a precificar calote ou risco de desvalorização da moeda. Quem teve essa visão no início de 2011 (pouca gente, a julgar pelo desempenho dos fundos e mesas proprietárias de bancos) teve oportunidade de realizar grandes lucros: os juros de dez anos para os títulos soberanos de Portugal, Itália, Grécia e Espanha passaram de 7,0%, 4,8%, 12,5% e 5,5% para 11,3%, 6,6%, 28,4% e 6,0%, respectivamente.

Quaisquer que sejam os motivos para a alta dos juros, os efeitos são destrutivos e tendem a alimentar o movimento que os tirou de patamares baixos (e sustentáveis) para níveis preocupantes. Para citar alguns, sem a pretensão de muita abrangência: o serviço da dívida passa a ficar muito caro, os bancos e investidores que carregam dívida sofrem perdas na marcação a mercado e podem se tornar vendedores de títulos problemáticos (ou necessitarem de mais capital), o custo do crédito para as empresas nacionais torna-se proibitivo e a possibilidade de crescimento fica ainda menor. Assim estamos hoje.

2. Um ciclo prejudicial que se auto-alimenta precisa ser quebrado (oh, really?). Há alguns meses, acreditava-se que não seria preciso atacar diretamente o aumento no estoque de dívida, já que o crescimento econômico voltaria e isso justificaria a estratégia de “chutar a lata ladeira abaixo”. Anatole Kaletsky, do Times londrino, escreveu no ano passado, em seu Capitalism 4.0 (grifos meus):

In a capitalist democracy whose raison d’etre is to devise new solutions to long-standing social and material demands, a problem postponed is effectively a problem solved. To be more exact, a problem whose solution can be deferred long enough is a problem that is likely to be solved in ways that are hardly imaginable today. Once the self-healing nature of the capitalist system is recognized, the charge of “passing on our problems to our grandchildren” – whether made about budget deficits by conservatives or about global warming by liberals – becomes morally unconvincing. Our grandchildren will almost certainly be much richer than we are and will have more powerful technologies at their disposal. It is far from obvious, therefore, why we should make economic sacrifices on their behalf.

De lá até hoje, cada vez mais gente passou a duvidar dessa capacidade de auto-regeneração do capitalismo, já que, como disse acima, a crise de 2007 / 2008 mostrou-se, para alguns países, mais poderosa do que uma das muitas desacelerações cíclicas da história: não houve recuperação do crescimento, o desemprego seguiu em níveis muito altos e a simples passagem do tempo sem que haja melhora na conjuntura ou na sua perspectiva fez com que os “agentes” (não só o mercado, mas os próprios eleitores) passem a exigir dos governos alguma medida – qualquer medida, já que a falta de ação parece já ter se provado inefetiva.Curiosamente, a moral descrita acima segue intacta: ainda que pareça menos garantido que nossos netos serão mais ricos que nós, ninguém parece muito preocupado com eles, com tantos problemas para serem resolvidos no presente.

3 comentários:

Anônimo disse...

A propósito, vale a pena uma olhada nisso:
http://www.euromemo.eu/euromemorandum/euromemorandum_2010_11/index.html

Daniel V disse...

Um trabalho bem diferente, e importante, sobre o EURO. È do começo do ano passado se nao me engano:

http://mises.org/books/bagus_tragedy_of_euro.pdf

Anônimo disse...

O grande problema do euro - e do mundo - são os desequilíbrios globais. O mundo simplesmente não consegue sair do atoleiro porque os países deficitários estão por demais endividados e os superavitarios não sabem crescer de outra forma que não por meio de exportações.