segunda-feira, 18 de julho de 2011

Sobre economistas, políticos e controle

Seu Bresser-Pereira encerra sua coluna na Folha de hoje, sobre a crise na Europa, com a seguinte frase:

"O fundamental é manter a economia europeia sob controle."

É curioso como boa parte dos economistas que já passaram por algum cargo importante no governo tem a impressão de que é possível "controlar" uma economia além das variáveis que efetivamente podem ser controladas - pouco mais do que os juros de um dia, ou algo dos gastos do governo, ou a geração de incentivos que, com algum grau de certeza, podem produzir efeitos desejados. Como "controlar" uma união monetária de 17 economias, como todas as suas peculiaridades, ligações e complexidades? O caminho escolhido até agora tem sido suprimir os mercados: atualmente três membros do euro (Portugal, Irlanda e Grécia) operam com juros de mercado acima de 10% ao ano para seus títulos de dez anos. A essas taxas, a dinâmica da dívida inevitavelmente leva a um calote em pouco tempo (a regra de bolso, na verdade, é 7% - evidentemente não vale para o Brasil, que desenvolveu ao longo de gerações um arcabouço para lidar com juros lunáticos). O que se faz? Tira-se o mercado do jogo, garante-se o financiamento por alguns anos e espera-se que os países consigam uma combinação mágica de crescimento e ajuste fiscal que os permita conseguir honrar o serviço e reduzir o estoque da dívida existente.

Os defensores da estratégia argumentam que os problemas são restritos a esses poucos países, que são pequenos o bastante para que a União Européia mate as dívidas no peito, sem grandes prejuízos para os tesouros dos países solventes. E se o problema da dívida for estrutural e generalizado? Não é difícil pensar em uma situação em que o buraco seja grande demais, e que a decisão a ser tomada seja menos trivial do que aparecer com algumas dezenas de bilhões de euros. Em última instância, se a tentativa de suprimir o mercado se estender, a consequência é que de fato o mercado desaparecerá, e ficará evidente que os financiamentos são simples transferências de arrecadação de um país para outro. Pode-se discutir que é isso que se busca (uma união fiscal), mas não creio que os governos tenham respaldo de seus eleitores para que esse passo seja dado sem votações ou discussões.

Voltando para a divagação abstrata: não há como manter controle sobre um ambiente muito grande e muito complexo. A situação atual da Europa é o resultado de um acúmulo de desequilíbrios, que, na medida em que ocorriam, talvez pudessem ser controlados. Hoje, o melhor que os detentores do poder poderiam fazer é tentar alinhar esses desequilíbrios com os mercados e reerguer as economias a partir de um novo patamar. A ideia de que mercados são controlados por especuladores que manipulam os preços de acordo com sua conveniência é errada. A verdadeira manipulação é feita pelos governos, que são agentes maiores do que qualquer agregado de "especuladores" (os grandes bancos, que potencialmente poderiam se juntar à turma, claramente estão do mesmo lado dos governos, ou vice-versa). Os governantes deveriam tratar os cidadãos como adultos responsáveis pelos seus atos, reconhecer a dificuldade da situação e deixar que ajustes sejam feitos, com premissas realistas. Infelizmente, isso não vai acontecer: a tendência é que a precificação de risco continue sendo distorcida e que a ruptura implique numa distribuição de perdas dos detentores da dívida (que deveriam sofrer as consequências de suas más decisões de investimento) para toda a população - pior, proporcionalmente, para quem parte de uma situação pior; daí a covardia desse tipo de decisão. Tentar controlar o que, por natureza, é incontrolável, não tem nada de heroísmo, trata-se de pura tolice ou interesses inconfessáveis disfarçados.

Desviando um pouco do assunto, recomendo o vídeo de Tim Harford que apareceu no TED semana passada, diz algo sobre os problemas do "complexo de Deus":

Um comentário:

Anônimo disse...

Concordo totalmente! É muita arrogancia e pretensão desses políticos/banqueiros centrais em achar que conseguem sempre 'controlar' as economias e colocá-las na trajetoria correta...
A solução sera sempre mais estimulos (aumento do individamento) que acaba chegando aos maos justamente de quem foi imprudente... Desse jeito a crise que um dia virá para que toda a conta seja paga começa a ficar cada vez mais assustadora...
Abs