sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Valor entrevista Delfim Netto

Quem é assinante lê aqui. Para quem não é, recomendo fortemente gastar os R$ 3,00 na edição de fim de semana do jornal para ler a entrevista da velha raposa. Alguns trechos:


Valor: As economias desenvolvidas continuam frágeis. Isso vai dificultar a vida de quem for eleito?

Delfim Netto: Não podemos pensar que 2011-2014 vai ser igual a 2003-2008. As condições externas serão inferiores às que tivemos e, para manter o crescimento, vamos precisar de um governo mais ágil, eficiente e amigável com o setor privado. Não teremos mais oito anos de crescimento contínuo de preços de matérias-primas e minerais, ainda que a China continue crescendo 6% a 7%. Há uma acomodação dos preços. O próximo governo não vai navegar em mar tranquilo, como navegou Lula. Vai ser um mar complicado, de vento de frente.

Valor: O que isso vai representar para a política econômica?

Delfim: O Brasil tem que se preparar para uma dependência menor do exterior do que teve nesses anos. Temos que sofisticar nossa indústria. É ilusão pensar que um país como o Brasil, com 240 milhões de habitantes em 30 anos, que vai ter que dar emprego de qualidade para 150 milhões de brasileiros, pode fazer isso com atividades agrícola e mineral, poupadoras de mão de obra. Temos que providenciar uma indústria ultrassofisticada e uma economia de serviços que absorva essa mão de obra. Eu fico desesperado quando alguém diz: olhe a Nova Zelândia, a Austrália, como funcionam com commodities.

Valor: Por quê?

Delfim: A Nova Zelândia é menor que São Bernardo. A Austrália é menor que São Paulo. Em 30 anos serão ainda menores. O Brasil precisa ser pensado de novo e cada vez 20 anos à frente.
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Valor: Voltando à economia, o sr. disse que foram os bons ventos externos que beneficiaram Lula...

Delfim: Veja, até hoje somos apenas 1,3% das exportações mundiais. Exatamente o que éramos nos anos 1980. Entre 1980 e 1984 a China exportava igual ao Brasil. Hoje a China tem 10% do mercado mundial. Nós continuamos com 1,3%. Nunca fizemos esforço exportador. O que teve foi esse bônus vindo de fora para dentro. É simples de ver: nos oito anos do FHC as exportações cresceram em média 4%. No período do Lula cresceram 23%. Mas não por estímulos ao setor empresarial, por uma nova política cambial ou nova política de exportação.

Valor: Foi por quê?

Delfim: Por causa dos investimentos que tinham sido feitos na agricultura e na mineração. O mundo expandiu e veio aqui buscar produto agrícola e mineral. E de devedores, viramos credores do FMI, certo?

Valor: E isso diminuiu bastante a vulnerabilidade externa, não?

Delfim: Fizemos o papel direitinho. Acumulamos reservas cambiais, corretamente. Mas não vamos dizer que isso foi produto pensado de uma política econômica. Isso foi produto de um acidente.
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Valor: E qual o papel adequado ao BNDES?

Delfim: O BNDES é fundamental e seu papel seria financiar os investimentos em infraestrutura com taxa de retorno social maior do que a privada. Tem subsídios? Tem, sim senhor. E está aqui no orçamento da União. Pronto. Pode-se questionar, porém, a qualidade dos investimentos feitos.

Valor: Por exemplo?

Delfim: A cartelização do setor pecuário vai dar muita dor de cabeça. A ideia de que dois ou três grandes grupos frigoríficos podem comprimir 4 mil pecuaristas vai terminar muito mal. Temos experiência disso. Esse é um sistema que tem dentro de si um ciclo. Quando você aperta o pecuarista, a impressão é que não há reação nenhuma. Você acorda três anos depois e vê que não há mais boi para abater. Eles comeram as vaquinhas.

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