sexta-feira, 4 de setembro de 2009

A conta do trem-bala

Ontem o BNDES (leia: o povo brasileiro) anunciou que vai financiar quase R$ 21 bilhões da obra do trem-bala que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro, orçada no total em R$ 34,6 bilhões -- quase o PIB da Bolívia. O número parece astronômico, então resolvi fazer algumas contas. Acompanhem:

- O Japão entregou pouco antes das Olimpíadas de 1964 o Tokaido Shinkansen, o famoso trem de alta velocidade que liga Tóquio a Osaka (esse aí da foto). O custo da obra foi, na época, de aproximadamente ¥ 400 bilhões. Convertidos ao câmbio de ¥ 360 / US$, temos US$ 1,1 bilhão.

- Converter valores monetários depois de muito tempo é sempre um problema. Neste caso, depois de converter para dólares, a aproximação que achei melhor foi corrigir os US$ 1,1 bilhão pela variação de um índice de preços ao produtor (PPI - preços cresceram 5,1 vezes no período) e pelo crescimento de custos do trabalho (unit labor costs - cresceram 7,4 vezes no período). Podemos imaginar (engenheiros civis que me corrijam, é só um chute -- ainda vai faltar uma estimativa melhor dos custos de desapropriação e tantos outros) que o custo da obra pode ser dividido em 50% de insumos e 50% de mão de-obra. Multiplicando [(0,5x5,1) + (0,5x 7,4)] x US$ 1,1 bi, chegamos em US$ 6,9 bilhões -- cerca de R$ 12,7 bilhões, cerca de 40% do orçamento brasileiro.

- Mais difícil ainda é comparar esse número, mesmo que esteja razoavelmente correto (pelo menos estamos falando de ordens de grandeza equivalentes), com o que pode ser gasto no Brasil. Como se compara o custo de terra e mão-de-obra daqui hoje com os do Japão dos anos de 1960? O orçamento será seguido de perto? Provavelmente, não. O trem de alta velocidade brasileiro será uma operação lucrativa? Se seguir o exemplo da França, que tem uma das maiores e mais eficientes redes do mundo, dificilmente. Antes de tudo isso, o projeto realmente sairá do papel?

Ainda que pareça ilógico, acho que mais importante que esses números seria a efetiva volta do país à grandes obras de infraestrutura. O impacto indireto e o legado são muito difíceis de serem avaliados quantitativamente, mas não tenho dúvida que fariam muito bem ao país (a linha japonesa que mencionei acima tinha transportado, até meados de 2007, cerca de 4,5 bilhões de passageiros. Como mensurar o benefício do tempo economizado e aumento do bem-estar dessas pessoas?) -- por mais que seja triste ver o desperdício de recursos e a politicagem envolvida, atualmente não existe outro jeito de as coisas acontecerem por aqui.

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